segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Continuaremos a utilizar o terror no combate ao caos?

O bárbaro assassinato do menino João Hélio de seis anos de idade no Rio de Janeiro na noite de 7 de fevereiro, que foi arrastado por sete quilômetros preso ao cinto de segurança do carro de seus pais que acabara de ser roubado por cinco jovens e dentre eles um menor de idade, traz à tona os sentimentos de insegurança e indignação que paira sobre a sociedade brasileira. Em momentos como esses é comum surgirem polêmicas artificiais e soluções mentirosas.

O assassinato do garoto João Hélio é utilizado como pólvora para reascender a discussão e estimular aqueles que defendem a diminuição da maior idade para punição de jovens infratores. Esses acreditam que medidas punitivas mais severas irão resolver os problemas desses jovens. E mais uma vez apontam-se panacéias e perde-se a chance de discutir a verdadeira causa dessa onda criminosa que assola o país, que são estruturais e estão na raiz da sociedade brasileira. Perde-se a chance de “entender o fenômeno.”
O fato é que desde o seu passado colonial e escravocrata o Brasil caracteriza-se pelo elevado grau de concentração de renda refletindo hoje em uma estrutura sócio-econômica onde os 10% mais ricos da população detém quase 50% da renda nacional, e 50% das pessoas, com pouco mais de 10% dessa renda. Esses jovens, que agora pedimos que sejam punidos mais severamente e que mais tarde pediremos a pena de morte, nasceram e viveram em favelas que são comandadas por traficantes e policiais truculentos, onde morre gente todos os dias e a cada esquina pode sobrar um tiro, onde vender papelotes de cocaína ou se prostituir são, muitas vezes, os únicos meios de sobrevivência e ser falcão dá muito mais moral do que ser “dotor.” O narcotráfico e suas ramificações, aproveitando a ausência do poder público e a situação de miséria desses jovens, vem recrutando-os para o crime organizado. Em um quadro como esses é possível compreender, jamais aceitar, o tipo de indivíduo que essa sociedade está a formar. No entanto, prefere-se esconder a miséria, pois ela atesta a nossa falência.

Aceitar a idéia de que na medida em que esses jovens forem punidos mais cedo pelos seus crimes eles irão deixar de cometê-los, é não querer enxergar que tais jovens são fruto de uma realidade social desigual que condena à miséria milhares de indivíduos que se cansam de respeitar leis que só funcionam contra eles e passam a encarar a criminalidade como uma válvula de escape da situação degradante em que vivem. É não conseguir compreender a mais elementar lei da física que nos ensina que apenas cessa-se o efeito com o cessar da causa. Ao invés de ficarmos discutindo propostas vazias deveríamos aproveitar esse momento de indignação da sociedade brasileira para focalizarmos o nosso debate em propostas de políticas públicas que objetivem mudanças estruturais e a organização social e política da sociedade, pois só assim conquistaremos de fato o que nos é de direito. Vamos aproveitar esse momento para discutirmos a reforma agrária, que nos possibilitará socializar o patrimônio. A reforma tributária, implantando impostos sobre a herança que atua como um instrumento de manutenção do status quo, além de efetivarmos uma política de impostos progressivos. A reforma de bem estar social, universalizando a saúde, a educação, o transporte e a habitação. Porém, enquanto continuarmos a utilizar o terror no combate ao caos, estaremos infinitamente longe das possíveis soluções.
Fábio José Reis de Araujo, estudante de Ciências Sociais e pesquisador atuante do Laboratório de Estudos Urbanos e Culturais -LABEURC/UFS-
Jornal da Cidade, Aracaju-Se, p. B-6 - B-6, 21 abr. 2007.

2 comentários:

Anônimo disse...

Achei interessante colocar essa postagem para que possamos discutir um pouco mais sobre essa questão tão polêmica que é a redução da maioridade penal. Para tal coloquei esse texto que foi escrito por mim e publicado no Jornal da cidade/Aju/Se no ano passado logo após o assassinato do garoto João Hélio no Rio.

A campanha que os grupos hegemônico dos meios de comunicação faziam naquele momento pela redução da maioridade penal me incomodava muito, na medida em que se colocava - e se coloca - a redução da maioridade penal como a solução para os crimes dos jovens infratores, e se perdia - e se perde - a chance de discutir questões fundamentais para se entender esse problema da marginalidade juvenil. Obviamente que nenhuma grande empresa de comunicação iria puxar esse debate das reformas estruturais aja vista os intereses que elas defendem.
Aí, consegui colocar esse texto no JC na tentativa de dizer que o problema é bem maior do que se pensa e a solução muito mais complexa. E mesmo sendo um texto simplório por demais, provocou uma discussão boa na UFS, alguns criticando, outros elogiando, mas foi discutido. Espero que isso aconteça por aqui.

Anônimo disse...

Binho...
Muito bom esse texto, mas não devemos nos prender a casos como esse para falar sobre violência. Pois na minha humilde opnião violência pior é os governos virarem às costas enquanto crianças morrem de fome, não que o caso do garoto João Hélio, não seja uma coisa grotesca, mas que a mídia perde muito tempo discutindo a maior idade enquanto problemas mais escrotos estão aí o problema é que esse casos não aparecem e assim a discussão se prende a um só caso e que não leva a uma solução que atinja a toda uma população sofredora.

ps. Em relação à redução da maior idade, sou completamente contra.


pps.Procura porfavor algumas matérias sobre o "mini-holocausto" que é o carnaval no Brasil, principalmente a limpeza étnica que acontece no carnaval de Salavador.

VLW